terça-feira, 18 de novembro de 2008

Como é a vida em Dubai?

A campeã entre as perguntas que recebi tem sido esta ate agora, e confesso ser a mais difícil de responder. Quando alguém me questiona a respeito à resposta mais imediata é: Mais que vida? ("Iiii... pronto, o Fred andou lendo Nietsche." Não queridos leitores, faz anos que não leio Nietsche – Nem faço questão de voltar a ler.) A explicação é que Dubai tem uma cultura motorizada, avessa à cultura pedestre brasileira. Sem um veículo é difícil ter uma vida nesta cidade, principalmente trabalhando em turnos variáveis onde o planejamento da sua vida pessoal demanda uma flexibilidade que não é correspondida pelo serviço municipal de transportes.

A Road And Transports Authority ou RTA como é conhecida regula e administra os transportes públicos e privados nos Emirados. (Sem entrar no mérito da definição do que é publico ou o que é privado por aqui, o que constitui tema para uma nova postagem.) Como uma versão local do DETRAN ela é responsável pelos ônibus, linhas, pontos, planejamento de vias públicas, regulamentação de tráfego, licenciamento de empresas, veículos e a famigerada carteira de motorista.

Devido à expansão acelerada, Dubai enfrenta o desafio de prover serviços de qualidade nos transportes. Nos horários de pico, principalmente nas regiões centrais a escassez de taxis é evidente levando o cidadão esperar de uma a uma hora e meia por um táxi. Pegar um taxi na rua é quase impossível, logo que o táxi fica vago uma chamada entra e o cliente avulso é recusado à beira da calçada. Inúmeras vezes nos deparamos com a tradicional cena do taxista desembarcando passageiros e quando abrimos a porta pra falar com ele a resposta é que está atendendo a uma chamada.

Já a fila de espera nos call centers é de aproximadamente meia hora dependendo do horário que se liga. Nota-se também conduta irregular, penalizada com multa pela RTA, por parte dos motoristas que escolhem as chamadas e destinos de acordo com o lucro ou conveniência de voltarem para casa.

A estratégia adotada por aqui é: 1- Entre no taxi, sente-se e feche a porta 2- Declare o destino somente com o taxi em movimento, se o taxista perguntar olhe pra ele e diga "_Go!" 3-Se o taxista reclamar diga que vai chamar a polícia. (Vixe eles morrem de medo!). Desta maneira consegue-se circular em Dubai. Creio que isto ocorre devido à influência cultural de certas regiões do Sul da Ásia, onde a hierarquia e a servidão são parte dos costumes. É impressionante a associação de respeito com poder. Sad but true, como diria James Hetfield. Se não falar grosso não tem respeito por aqui.

O ponto positivo é que fora dos horários de pico isso é menos suscetível de acontecer, muito ao contrário, os condutores imploram pela corrida na madrugada. Outros detalhes a favor do sistema de táxis local são o preço muito mais barato que o Brasil (22 reais para o aeroporto- mais 10 reais se sair do aeroporto), a qualidade material dos veículos Toyota Corolla ou Honda Civic 2007 a 2008, a limpeza apresentação dos veículos com motoristas uniformizados e serviços especiais como o pink taxi que é para senhoras e senhoritas e dirigido por mulheres.

Por outro lado, se você pode arcar somente com o custo do coletivo então se prepare. Este mesmo fator cultural mencionado antes e observado também nos passageiros do Sul da Ásia influencia o comportamento da população que utiliza e que opera os coletivos. São trabalhadores social e economicamente carentes na sua maioria que utilizam o serviço para ir trabalhar nos horários de pico ou passear e resolver questões pessoais fora destes. A regra por aqui diz que ônibus não pode sair lotado e é cumprida a risca. No momento que o coletivo encosta na calçada os passageiros aglomeram-se junto à porta na expectativa de conseguir um lugar. Nos horários de pico a disputa fica mais acirrada mas sem os sopapos que normalmente ocorrem no Brasil, embora a o contato físico seja inevitável à medida que os trabalhadores apertam-se uns aos outros junto à porta.

Permitam-me uma pequena observação. Nota-se uma incrível semelhança no momento do embarque destes mesmos passageiros para seus países de origem. Fazemos um anúncio no portão, todos se levantam num estrondo único e correm (mas correm mesmo!) para a porta de embarque. Lembro-me de quando era criança e lá no parque da Aclimação e dava comida aos peixes, logo que caía a primeira migalha eles avançavam sobre o pão. Identicamente acontece no check-in. Acreditem-me! Não há fila sem grito! Os viajantes amontoam suas malas de mão junto a um canto do balcão mesmo sem conhecerem-se e aglomeram-se sobre o balcão e empurrando os carrinhos de bagagem uns contra os outros vão se espalhando lateralmente. No momento em que chegamos para abrir o vôo a bagunça (ou organização peculiar a este tipo de passageiro) já está formada. Para organizar só no grito. Liiiiiiine! (leia-se Láine =fila em inglês).

A freqüência dos ônibus é irregular, embora pela regra seja planejada. Atrasos de até meia hora são constantes e muitas vezes nestes casos o ônibus atrasado não para, pois já cumpriu lotação. Apesar da propaganda ostensiva da RTA sobre os pontos de ônibus com ar condicionado, estes são poucos geralmente nas regiões centrais e nas áreas mais ricas da cidade. Nem todas as localidades são servidas com transporte coletivo e também são poucas que têm calçadas para circulação de pedestres. Os fatores positivos são os ônibus aqui são novinhos em folha, sanfonados, grandes e quando lotados não são lata de sardinha. O ar condicionado dos coletivos também é excelente.

As vias e estradas deste emirado são largas espaçosas. Encontram-se aqui highways de até oito pistas de cada lado, estas são como um carpete até o destino final. A velocidade limite de muitas é 120 km por hora, um paraíso para os expatriados de origem européia e para os emiratis. Muitos dirigem seus Porshes e Ferraris a velocidades alucinantes acima dos 200 km por hora, resultando em acidentes tolos devido às imprudências. Live fast, die Young .

Há também radares por todos os lados embora o policiamento de trânsito se faça presente somente no momento de acidentes, ou em alguns pontos com a caneta e bloco na mão. A distribuição do tráfego já começa a evidenciar a necessidade de uma redistribuição. Existe limitação de acesso entre o tráfego local e as highways criando gargalos de tráfego nos pontos de acesso a estas vias expressas. Por aqui muitas vezes pode-se ver o lugar para onde está indo, mas não há via direta, tem-se que dar muitas voltas até descobrir como chegar até lá.

Os canteiros de obras públicas e privadas são outro fator que complica o trafego de Dubai, muitas reduções de pista, areia e cascalho no asfalto e sinalização improvisada incorretamente pelos próprios trabalhadores das construções (aqueles mesmos da aglomeração citada acima) colaboram na lentidão da circulação dos veículos.

Quanto à carteira de motorista (Passei no exame ontem!) é um processo lento, complicado que será o assunto da próxima postagem. Reservei as mais cômicas observações sobre a cultura administrativa do departamento de trânsito para a próxima ocasião.